“Qual o limite do humor?” Todo mundo pergunta isso aos nossos humoristas toda vez que um grupo especifico de pessoas, ou a grande maioria das pessoas se sente ofendida com alguma peça de humor.
A pergunta “qual o limite do humor?” trás implícita em si a proposição de que o há um limite para o humor; como tudo o mais nessa vida. Mas isso não é tudo
Os nossos artistas, principalmente os humoristas, diante da pergunta incômoda de “qual é o limite do humor”, dizem que não existe tal limite. Dizem ainda que sempre haverá alguém ou um grupo de pessoas que se sentirá ofendida com uma piada. E que se a piada não ofendeu então não foi piada.
Compreendo a razão dessa resposta. Dado o nosso contexto político-cultural, que flerta com muita frequência com a censura, com a pressão político partidária, a pergunta “qual o limite do humor?” trás implícita em si não só apenas a proposição de que existe um limite para o humor, mas insinua muitas vezes, entre linhas, qual é esse limite. Os humoristas que não são bobos nem nada quando “o deles está na reta”, percebem essa insinuação cínica. Daí sua respostas de que o humor não tem limite.
“O humor não tem limite” é uma boa resposta de protesto e de atitude auto-afirmativa para fazer frente à tentativa cínica e deslavada de censura que vem escondida na pergunta “qual o limite do humor?”. Então quer dizer que estávamos enganados, e que não existe limite para o humor?
A pergunta sobre o limite do humor em si é correta e pertinente, assim como sua proposição implícita. Como tudo na vida possui um limite, é lógico e intuitivo que o humor também possua esse limite. A virtude da temperança também se aplica ao humor, (e antes que alguém diga que a temperança “castra” a piada, eu digo o contrário; a temperança eleva a piada a um patamar digno).
O limite do humor, segundo penso, pode ser muito relativo, variando de caso pra caso, de situação para situação, cultura, contexto e etc. Logo definir um limite objetivo para cada piada me parece algo impossível. É preciso ter bom senso para julgar cada caso.
Por exemplo, ninguém faz piada no velório da própria mãe ou do próprio filho. Aliás, ninguém faz piada no velório seja lá de quem for. Tá aí um limite definido.
“Ridendo castigat mores”
Diz a expressão latina acima, “rindo castiga-se os costumes” ou em outra tradução “corrige os costumes sorrindo”. Mas quais costumes? Bem, todos!
Corrigir ou castigar pressupõe-se um erro, um desvio. Quando um humorista faz uma piada tirando sarro do politicamente correto, corrige-se os costumes, pois o politicamente correto, através da linguagem, corrompe a maneira como percebemos e interagimos com a realidade. O politicamente correto é a corrupção do decoro e da temperança; sacrifica o correto e a verdade no altar das conveniências políticas, no altar do “não ofender” ou do “passar uma boa impressão” e, de pouco em pouco, vai sacrificando a própria verdade do ser das coisas e de si próprio. O politicamente correto é a mentira enfeitada.
Percebe-se que o humor tem uma função nobre que vai além do “fazer rir”. O humor bom nos torna mais simples e humildes ao ridicularizar nossas pompas carregadas de soberba e vaidade, trazendo-nos assim de volta à realidade. Mas há que ter bom olho para a simplicidade intrínseca da nossa vida complicada para se fazer um humor bom. Do contrário perde-se a mão, e o efeito (além das risadas), pode ser o aumento da confusão e da incompreensão da realidade.
É dessa incompreensão que o humor mau é filho e pai. O humor mau é como uma falácia, parte de um raciocínio falso que simula a veracidade. O humor mau tem outro nome; escarnecimento.
É o caso das piadas do Porta dos fundos com Jesus, para ficar em apenas um exemplo. Eu diria que todo escarnecimento é uma falácia em tom humorístico.
O humor tem uma ligação estreita com as nuances da realidade, como já expliquei. Quando você brinca com uma mentira dando a ela ares de verdade evidente, você ofende, agride e escarnece. É esse o tipo de “humor” que o Porta dos fundos e muitos outros fazem.
Agora voltando à questão inicial a respeito do limite do humor.
O limite do humor não está em ofender ou não ofender, pois a verdade também ofende o mentiroso que vive na mentira.
Eu diria que o limite do humor é a linha que separa o verdadeiro do falso, o real do irreal.